Ficções do Império: (Re)Visões da Literatura Colonial Portuguesa
Departamento de Línguas e Culturas, Universidade de Aveiro
16 e 17 de novembro de 2023
Programa e Livro de Resumos já disponíveis!
CHAMADA DE TRABALHOS (PT) | (EN) | (FR)
Remetido para um limbo crítico que razões de natureza ética e estética ajudam a explicar, o abundante corpus da literatura colonial portuguesa constitui, como, em estudo fundador, o considerou Francisco Noa, um “paradigma submerso”. Este exílio persistente justifica que a ele hoje se regresse, num esforço, lúcido e descomplexado, de indagação crítica renovada, tanto do seu valor histórico-documental, como do seu lugar literário.
Documentando as tendências, impasses e inflexões retóricas e doutrinárias da política colonial, dos alvores do Estado Novo ao início das contestações anticoloniais, a expansão da literatura de temática colonial – que, colhendo inspiração nos diferentes territórios do império, não deixará de conceder sintomática preponderância à “África portuguesa” – é indissociável de um projeto concertado de apoio oficial à produção cultural especificamente vocacionada para a divulgação metropolitana do património colonial. Reconhecendo-se como indeclinável o estímulo à criação de uma textualidade do império, assume, no contexto das inúmeras iniciativas de propaganda colonial, natural destaque o concurso de Literatura Colonial promovido anualmente, a partir de 1926, pela Agência Geral das Colónias.
Replicando, com declarada intenção legitimante e apologética, os argumentos ideológicos de que se alimentou a mística imperial portuguesa, difundida sob a égide da ditadura salazarista – a mitomania cristã nacionalista e a exaltação da gesta imperial, a defesa de um etnocentrismo de base racista como fundamento da missão civilizadora, a alternância entre o ufanismo megalómano do “vasto império” e a utopia agrária da “pequena casa lusitana” –, a literatura colonial não deixará de, sobretudo a partir da década de 60, naquela que foi já considerada a sua “fase cosmopolita”, dar voz intermitente, mas ainda assim audível, à expressão da ambivalência, da denúncia ou mesmo da dissensão explícita relativamente a ideologias e práticas coloniais.
Por outro lado, as várias genealogias em que entroncam os textos que integram este multímodo arquivo literário colonial (do relato de viagens à autobiografia, do romance de aventuras ao Bildungsroman), bem como a sua latitude genológica (recobrindo poesia, narrativa, teatro, roteiros de viagem, etc.) justificam que se proceda ao seu reexame atento sob uma ótica especificamente literária, permitindo neles sinalizar, para além da já diagnosticada repetição formular de temas e personagens, eventuais pontos de fuga ideológicos, singularidades de mundivisão ou originalidades compositivas.
Convidamos, assim, investigadores a submeterem propostas de comunicação que inequivocamente se enquadrem no âmbito da literatura colonial portuguesa. Serão, entre outros, eixos possíveis de reflexão:
- Os géneros: linhagens, confluências, interseções. Géneros literários e paraliterários; ficção e não-ficção: narrativa, poesia, teatro, literatura de viagens (crónica, roteiros, diários, reportagens), estudos monográficos e literatura científica (etnografia, antropologia, botânica, zoologia,…).
- Literatura, poder colonial e interdiscurso político: ortodoxia ideológica e propaganda; ambiguidade e ambivalência; denúncia e dissidência.
- Sociabilidades coloniais: declinações ficcionais da missão civilizadora (endoutrinamento, aculturação, missionação, evangelização, etnocídio); estratégias de construção da diferença colonial (estereotipia,
enselvajamento, estetização e fetichização do Outro). - Retóricas da raça: mistofobia e racismo; mistofilia e apologia do hibridismo; assimilação e cafrealização; multirracialidade e mestiçagem, ideário lusotropicalista e mito da originalidade imperial portuguesa.
- Cartografias coloniais: impulso geográfico e representação literária do cronótopo colonial; topografias referenciais e imaginárias; construção da alteridade geocultural; paisagismo nativista e cor local; pitoresco colonial e exotismo, tenebrismo e edenização do espaço colonial.
- Literatura colonial e instituição literária: concursos e prémios literários, circuitos de difusão, receção crítica, práticas de consumo.
- A literatura colonial ad usum delphini: a produção literária infantojuvenil de temática colonial e a pedagogia do império: temas, géneros, interdiscursos (literário, político, educativo…), imagens e representações, recursos verbo-visuais (incluindo desenho e ilustração).
Veja as datas importantes em Envio de propostas e inscrições.
CALL FOR PAPERS (EN)
Long-neglected due to ethical and aesthetic reasons, the large body of Portuguese colonial literature represents, as Francisco Noa considered in his seminal study, a “submerged paradigm”. This enduring exile clearly justifies the need for a comprehensive critical revision of both its historical and documentary value and literary status.
Bearing witness to the trends, cross-purposes and rhetorical and doctrinal inflections of colonial policies, from the dawn of the Estado Novo to the beginning of anti-colonial insurgence, the expansion of literature with a colonial theme – where, in spite of noticeable inspiration drawn from different territories of the empire, “Portuguese Africa” figured prominently – is inseparable from a deliberate purpose of officially supporting the cultural production specifically aimed at the metropolitan dissemination of the colonial heritage. Intended to stimulate the creation of a textuality of the empire, the Colonial Literature competition, promoted annually by the Agência Geral das Colónias from 1926 onwards, was one of the most emblematic initiatives of colonial propaganda.
While undeniably mimicking the ideological arguments that nurtured the Portuguese imperial mystique, disseminated under the Salazar dictatorship – e.g. the nationalist Christian mythomania and the exaltation of the imperial endeavour, the defence of a race-based ethnocentrism for the legitimation of the civilising mission, the alternation between the megalomaniac glorification of the “vast empire” and the agrarian utopia of the “small Lusitanian house” – colonial literature, especially from the 1960s onwards, in what has already been considered its “cosmopolitan phase”, would nevertheless give occasional, but still noticeable, voice to the expression of ambivalence, denunciation or even open dissent in relation to official colonial ideologies and practices.
Moreover, the different genealogies which the texts that make up this miscellaneous colonial literary archive derive from (from travelogue to autobiography, from adventure novel to Bildungsroman), as well as the variety of genres they cover (poetry, narrative, theatre, guides, diaries, etc.) calls for their re-examination from a specifically literary standpoint, allowing us to identify, beyond the overall impression of thematic sameness, possible points of ideological unorthodoxy, singularities of worldview or compositional originality.
We therefore invite researchers to submit 20-minute paper proposals (to be delivered in Portuguese, English, French or Spanish) that unequivocally fall within the scope of Portuguese colonial literature, and address, among others, the following topics:
- The genres: literary traditions, confluences, intersections. Literary and paraliterary genres; fiction and non-fiction: narrative, poetry, theatre, travel literature (chronicles, guides, diaries, reports), monographic studies and scientific literature (ethnography, anthropology, botany, zoology,…).
- Literature, colonial power and political interdiscourse: ideological orthodoxy and propaganda; ambiguity and ambivalence; denunciation and dissidence.
- Patterns of colonial sociability: fictional variations of the civilizing mission (indoctrination, acculturation, missionation, evangelization, ethnocide); strategies of construction of colonial difference (stereotyping, denigration, aestheticization, and fetishization of the Other).
- Rhetorics of race: mixophobia and racism; mixophilia and defense of hybridism; assimilation and cafrealization; multiraciality and miscegination, lusotropicalist ideology and the myth of Portuguese imperial originality.
- Colonial cartographies: geographical impulse and literary representation of the colonial chronotope; referential and imaginary topographies; construction of geo-cultural alterity; native landscapes and local colour; colonial picturesque and exoticism, tenebrism and edenization of colonial space.
- Colonial literature and the literary institution: writing competitions and literary prizes, circuits of diffusion, critical reception, reading practices.
- Colonial literature ad usum delphini: children’s and young adult colonial literature and the pedagogy of the empire: themes, genres, interdiscourses (literary, political, educational…), images and representations, verbo-visual resources (including drawing and illustration).
For more information and important dates.
APPEL À COMMUNICATIONS (FR)
Selon Francisco Noa, dans une étude fondatrice à ce sujet, l’abondant corpus de la littérature coloniale portugaise reflète « un paradigme submergé » qui renvoie à une situation d’incertitude critique s’expliquant, en partie, par des raisons de nature esthétique et critique. Ce silence persistant justifie donc un retour à cette question, dans un effort lucide et décomplexé de renouvellement des questionnements critiques, aussi bien au sujet de la valeur historique et documentaire de ce paradigme que de la place identitaire que celui-ci occupe dans la littérature portugaise.
De par les tendances, les impasses et les inflexions rhétoriques et doctrinaires de la politique coloniale, depuis les débuts de l’Estado Novo jusqu’au surgissement des révoltes anticoloniales, l’essor de la littérature de la période coloniale (qui, inspirée par les vastes territoires de l’empire, privilégie symptomatiquement l’idée d’une « Afrique portugaise ») semble être indissociable d’un projet unifié de soutien officiel à une production culturelle spécifiquement vouée à la diffusion métropolitaine du patrimoine colonial. En ce sens, le Concours Annuel de Littérature Coloniale, organisé dès 1926 par l’Agence Générale des Colonies (Agência Geral das Colónias), constitue l’une des plus importantes initiatives de propagande coloniale visant l’encouragement soutenu à la création d’une textualité de l’empire.
Suivant un projet ouvertement légitimateur et apologétique, la littérature coloniale réplique les arguments idéologiques dont s’est nourri la vision mystique de l’empire portugais sous l’égide de la dictature salazariste (à savoir, la mythomanie chrétienne nationaliste, l’exaltation des exploits impériaux et la défense d’un ethnocentrisme à caractère raciste comme fondement de la mission civilisatrice, l’alternance entre la présomption mégalomane du « vaste empire » et l’utopie agricole de la « petite maison lusitaine »). Or, notamment à partir des années 1960, dans ce qu’on appelle sa « phase cosmopolite », la littérature coloniale portugaise se permet également de donner une voix, certes intermittente mais toutefois présente, aux expressions ambivalentes qui dénoncent, en s’éloignant parfois explicitement, les idéologies et les pratiques coloniales officielles.
Par ailleurs, les multiples généalogies inhérentes à ces archives littéraires coloniales multiformes (qui vont du récit de voyage à l’autobiographie, du roman d’aventures au Bildungsroman), ainsi que leur ampleur générique (recouvrant la poésie, le récit, le théâtre, les récits de voyage, etc.), invitent à un réexamen critique de cette question sous une perspective spécifiquement littéraire. Cela, dans le but d’identifier, au-delà de la réitération déjà soulignée pour la formulation de thématiques et de personnages, des éventuelles ouvertures idéologiques novatrices, des particularités dans les visions du monde ou bien des singularités dans les styles littéraires.
Nous invitons ainsi la communauté de chercheurs à soumettre des propositions de communications d’une durée de 20 minutes (à présenter en portugais, anglais, français ou en espagnol), portant spécifiquement sur la littérature coloniale portugaise et pouvant s’inscrire dans les axes de réflexion suivants :
- Les genres : lignages, confluences et intersections : Genres littéraires et paralittéraires ; fiction et non-fiction : récit, poésie, théâtre, littérature de voyages (chroniques, guides, journaux, reportages), études monographiques et littérature scientifique (ethnographie, anthropologie, botanique, zoologie…).
- Littérature, pouvoir colonial et inter-discours politique : orthodoxie idéologique et propagande ; ambiguïté et ambivalence ; dénonciation et dissidence.
- Sociabilités coloniales : déclinaisons fictionnelles de la mission civilisatrice (endoctrinement, acculturation, catéchisation, évangélisation, ethnocide) ; stratégies de construction de la différence coloniale (stéréotypie, ensauvagement, esthétisation et fétichisation de l’Autre).
- Rhétoriques de la race : mixophobie et racisme ; mixophilie et apologie de l’hybridisme ; assimilation et «cafréalisation»; multiracialité et métissage, idéaux luso-tropicalistes et mythe de l’originalité impériale portugaise.
- Cartographies coloniales : impulsion géographique et représentation littéraire du chronotrope colonial ; topographies référentielles et imaginaires ; construction de l’altérité géoculturelle ; paysagisme nativiste et couleur locale ; pittoresque colonial et exotisme, ténébrisation et édenisation de l’espace colonial.
- Littérature coloniale et institutions littéraires : concours et prix littéraires, circuits de diffusion, réception critique, pratiques de consommation.
- La littérature coloniale ad usum delphini: la production littéraire pour la jeunesse à thématique coloniale et la pédagogie de l’empire : thèmes, genres, inter-discours (littéraire, politique, éducatif…), images et représentations, recours verbo-visuels (dessin et illustration inclus).